Fabrício Augusto de Oliveira*
Depois de concordar em continuar seguindo as ordens do capital, com a aprovação do arcabouço fiscal, em 2023, como instrumento de controle das contas públicas, o governo tem encontrado dificuldades para manter seu compromisso. Mesmo tendo modificado as metas inicialmente previstas na sua elaboração, em 2024, visando obter maior flexibilidade na condução da política fiscal, os tropeços que vem dando em 2025, nessa questão, indicam claramente que, dificilmente conseguirá cumpri-las, voltando, com isso, a novamente assombrar os investidores diante da perspectiva de maior deterioração das contas públicas, ou do maior risco fiscal. Esclarecendo melhor essa questão.
No orçamento de 2025, foi estabelecida uma meta para o resultado primário de 0% (zero) do PIB, com um intervalo de tolerância de 0,25pp para baixo ou para cima, o que, em termos práticos, quer dizer que o limite do déficit primário máximo que poderá incorrer era, nessa projeção, de R$ 31,45 bilhões, de acordo com o Relatório do Prisma Fiscal divulgado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda no dia 16 de janeiro deste ano. Como a projeção do déficit andava em torno de R$ 84 bilhões, correspondentes a 0,67% do PIB, isso significava que o governo teria de fazer um ajuste de R$ 53 bilhões no orçamento para cumprir a meta estabelecida no arcabouço fiscal.
Se essa situação já era motivo para duvidar de sua capacidade para realizar esse ajuste, o anúncio, pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, no dia 22 de maio, de terem sido identificadas, no orçamento, receitas extraordinárias administradas pela Receita Federal no valor de R$ 81,5 bilhões e de mais R$ 8 bilhões previstos com a outorga de ferrovias, que não se materializarão no ano, jogou mais uma ducha de água fria no grau de confiança do mercado, trazendo de volta o temor sobre o risco fiscal que andou assombrando a economia brasileira no final de 2024 e início de 2025.
Das perdas de receitas administradas pela Receita Federal, ou seja, as que se referem aos R$ 81,5 bilhões, R$ 28 bilhões dizem respeito às expectativas frustradas de retomada do voto de qualidade do Carf para sua expansão; R$ 26 bilhões das transações tributárias da Receita Federal, que foram reconhecidamente superestimadas; R$ 20 bilhões com a Declaração de Incentivos, Renuncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (DIRB), pelos mesmos motivos; e R$ 7,5 bilhões do aumento previsto da CSLL como medida de compensação relativa à desoneração da folha de pagamento. No frigir dos ovos, uma redução, portanto, de R$ 89,5 bilhões.
Para cobrir este novo buraco, o governou anunciou, ao mesmo tempo, a adoção de duas medidas: i) o contingenciamento de R$ 31,3 de despesas no orçamento; e ii) o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre algumas atividades econômicas e serviços atualmente isentas ou subtaxadas, com o qual projetou uma receita potencial de R$ 20,5 bilhões. Somando, no total, R$ 51,8 bilhões, essas duas medidas não são suficientes, como mostram os números, para cobrir o rombo provocado pela revisão das receitas extraordinárias.
Ambas as medidas retiram forças da atividade econômica e, por isso, podem enfraquecer o crescimento e, consequentemente, as receitas estimadas do governo e, comprometer, ainda mais o ajuste pretendido. O bloqueio dos gastos governamentais de R$ 31 bilhões provoca, inequivocamente, uma contração da demanda agregada. O aumento do IOF encarece, por sua vez, a produção e o consumo, ao afetar viagens internacionais, compras no exterior, crédito empresarial e a previdência privada, aumentando os custos das empresas e a taxação sobre os recursos poupados e direcionados para aplicação na previdência privada (VGBL).
No caso do IOF, a alíquota sobre as operações de compra da moeda estrangeira saltou de 1,1% para 3,5%; nas compras no cartão de débito e crédito no exterior e de cheques de viagem, de 3,38% para 3,5%; nos empréstimos para empresas em geral, de 1,88% para 3,95%, aí incluídas as grandes cooperativas de crédito (faturamento acima de R$ 100 milhões/ano); para as empresas do Simples Nacional, de 0,88% para 1,95 (para operações de até R$ 30 mil no ano; para os planos de previdência privada (VGBL), as aplicações mensais acima de R$ 50 mil, antes isentas, passam a ter IOF de 5%.
Diante da reação negativa do mercado com esses aumentos, o governo teve de recuar poucas horas depois de anunciar as mudanças, na cobrança do IOF sobre a transferência de fundos brasileiros para investimentos no exterior, medida que foi entendida como o início do controle sobre os investimentos que entram e saem do Brasil (controle de movimentos de capitais), e nas remessas para o exterior destinadas a investimentos. Isso representou, de acordo com o governo, uma perda de R$ 2 bilhões dos R$ 20,5 bilhões inicialmente previstos com o aumento do IOF.
Este recuo, no entanto, não foi suficiente para acalmar o mercado, nem a resistência do empresariado às medidas que permaneceram no projeto, especialmente a que se refere à elevação do IOF sobre os empréstimos por eles contratados. Pressionado por estes empresários e por seus órgãos de representação, o Congresso fincou pé para derrubar o projeto de aumento do IOF em sua totalidade, levando o governo a reconsiderar a questão, prometendo, ao mesmo tempo, buscar alternativas. Embora essa novela não tenha ainda terminado, existindo grandes chances de se enterrá-lo, a situação do governo de cumprir as ordens do capital no tocante às contas públicas, vai se tornando crescentemente mais difícil.
De qualquer forma, por esses números, fica mais que evidente que o fantasma do assim chamado risco fiscal deve continuar assombrando as autoridades econômicas e também os investidores durante todo o ano sem que o governo consiga convencer os últimos de que continua firme em seu propósito de atingir a meta estabelecida no arcabouço fiscal. O que significa que dificilmente os juros poderão ingressar proximamente numa trajetória de queda, sem a contribuição da política fiscal, sendo mais razoável esperar que esses continuarão em níveis elevados e, não se pode descartar, podendo até mesmo serem aumentados.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura do departamento de economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Karl Marx: a luta pela emancipação humana e a crítica da Economia Política”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2025,
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